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quinta-feira, 12 de março de 2015

Songs of Innocence (U2)

Capa de Songs of Innocence (2014)
Se você acha que o U2 é uma banda pop formada por tiozões que já deveriam ter se aposentado, este texto não é para você. Este post também não é para quem pensa que artistas não podem ser politizados e é uma chatice ir a um show e ver o vocalista falando da Palestina ou das crianças africanas.

Não é para você porque este texto é sobre o U2 irlandês e político presente em Songs of Innocence, o novo álbum da banda. Meu objetivo aqui não é analisar se a estratégia do U2 é certa ou errada nem participar da onda do momento que é odiar a banda - porque eu não odeio e sou contra modinhas.

Em Songs of Innocence temos um U2 mais pessoal e nostálgico. Como o título sugere, algumas músicas falam de uma época de inocência. A faixa de abertura, "The Miracle (Of Joey Ramone)" é sobre um fã dos Ramones que buscava sua própria voz ao ouvir os punks ingleses. É uma faixa que demonstra admiração e é um tributo a Joey Ramone, que morreu em 2001:

I woke up at the moment when the miracle occurred
Heard a song that made some sense out of the world
Everything I ever lost now has been returned
In the most beautiful sound I'd ever heard

Temos também "Iris (Hold Me Close)" que foi escrita para a mãe de Bono, Iris, que morreu quando ele tinha 14 anos. É uma letra cheia de dor sobre alguém que cresceu sem a mãe, mas que nunca foi abandonado por ela

The star
That gives us light
Has been gone for a while
But it's not an illusion
The ache
In my heart
Is so much a part of who I am

"Volcano" vem logo depois é sobre um adolescente em ponto de ebulição, um vulcão "rock'n'roll". "Sleep Like a Baby Tonight" parece ser sobre o pai de Bono. Segundo o líder do U2, "There Is Where You Can Reach Me" é sobre um show do Clash assistido pelo U2 na década de 70. E então temos "Cedarwood Road", que fala sobre a rua e o bairro em que Bono cresceu, Glasnevin (norte de Dublin) e Cedarwood Road, respectivamente. Aqui vemos uma demonstração do caráter político da banda e do por quê eu costumo afirmar que não se separa o U2 da Irlanda e da política.

Cedarwood Road é descrita como um lugar sem ouro, sem riquezas, ao norte do rio (Liffey, que corta Dublin). O norte da capital irlandesa sempre foi a região mais pobre da cidade - hoje imigrantes e famílias mais pobres formam a maior parte da população -, tem sotaque característico e, como é de se imaginar, é alvo de preconceito. Na música, Glasnevin é um bairro cheio de apreensão, onde assaltos ocorrem ("if the door is open, it isn't theft") e o medo é constante ("sometimes fear is the only place
we can call home").

A natureza política da banda vem com toda força em "Raised by Wolves", que é sobre um atentado a bomba em Dublin, que aconteceu em 1974 em Talbot Street. Esta música evoca o início do U2, que cantava sobre os Troubles na Irlanda do Norte e representava vivamente o que era crescer em um país dividido politicamente. A tensão se concentrava no Norte, mas não era exclusiva: a República também sofria com a guerra contínua; parentes e amigos norte-irlandeses estavam no fogo cruzado e o Sul era igualmente afetado por atentados e ataques.

Face down on a broken street
There's a man in the corner
In a pool of misery
I'm in white van
As a red sea covers the ground
Metal crash
I can't tell what it is
But I take a look
And now I'm sorry I did
5:30 on a Friday night
33 good people cut down
[...]
Raised by wolves Stronger than fear
Raised by wolves
We were raised by wolves
Raised by wolves
Stronger than fear
If I open my eyes
You disappear
Crescer na Irlanda dos anos 60 é viver com medo, impactado pela violência sectária. Como não ser político ao viver de perto essa realidade? Como não pegar o microfone diante de milhões de pessoas e falar sobre regiões em conflito ao redor do mundo? Você pode dizer que os Troubles são coisa do passado; que um tratado de paz foi assinado entre as duas Irlandas; que Bono hoje lucra em cima de um passado tão cruel. Será mesmo se tudo está no passado? Será mesmo que irlandeses e norte-irlandeses vivem tão pacificamente assim? E se vivem, por que um cantor famoso não pode ser político e ativista e falar por aqueles que não têm voz? No Brasil ser politizado é ser imbecil; na Irlanda, ser artista é ser político. O U2 não foge (e não quer fugir) dessa realidade.

Um álbum assim não poderia não ter uma faixa que se chama "The Troubles". Porém, a canção não fala sobre os conflitos na Irlanda do Norte - ou não deixa isso explícito, porque, na minha opinião, "The Troubles" é sobre alguém que cresceu em meio à violência e teve a alma "pisada". Esta canção também expressa as dificuldades para superar os próprios problemas, algo que hoje já não afeta mais porque "I have a will for survival / so you can't hurt me anymore":
Somebody stepped inside your soul
Somebody stepped inside your soul
Little by little they robbed and stole
Till someone else was in control
Por fim, falo da minha faixa preferida e que é também simbólica do meu ponto aqui no texto. "Every Breaking Wave" é a segunda música do disco e tem algo de pessimista ou, melhor dizendo, algo de experiente. A canção fala sobre derrotas, perdas e desastres certos da vida. "Baby every dog on the street knows that we're in love with defeat" e "every gambler knows that to lose is what you're really there for" são versos que exemplificam isso. Escolhi essa faixa como simbólica pela mensagem e também pelo clipe. Nele vemos cenas de Belfast e dos Troubles. Curiosamente, um clipe com tais cenas não foi feito para "Raised by Wolves" ou "Cedarwood Road". Para mim, não é por acaso que uma faixa com o ponto de vista maduro tem cenas dos Troubles. Assim como não se separa Bono de Cedarwood Road, não se separa o U2 da Irlanda. O U2 não é uma banda popzinha que você ama odiar.




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