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quarta-feira, 11 de março de 2015

Silas Marner e a redenção do misantropo literário

Os misantropos na literatura têm a incrível habilidade de conquistar nossa simpatia. Na vida cotidiana a tendência é estranhar aqueles que não gostam do convívio social; na literatura, porém, os misantropos revelam-se pessoas comuns, com problemas parecidos com os nossos. Frequentemente a literatura explica que os misantropos não odeiam o convívio social porque são loucos ou excêntricos: a vida os fez assim.

Minha edição. Penguin, 1996

George Eliot (autora de Middlemarch) apresenta um desses misantropos. Silas Marner é um homem solitário forjado pelo sofrimento. O narrador diz que Silas é de "um país distante", cujas tradições e comportamentos diferem muito dos hábitos ingleses. Silas se mudou para o povoado de Raveloe após ser enganado e falsamente acusado de roubo pelo melhor amigo. Humilhado, Marner muda de país e passa a viver recluso, trabalhando como tecelão para as melhores famílias de Raveloe. Seu trabalho é humilde, mas Silas consegue guardar uma pequena fortuna com o passar dos anos. Porém, como se não bastasse a tragédia do passado, Marner sofre mais um golpe: sua fortuna em moedas de ouro, fruto de quinze anos de poupança, é roubada. O misantropo Silas perde tudo o que tem, mas o destino (ou providência divina?) tem algo reservado ao protagonista do romance de Eliot: a chegada da pequena Eppie pode transformar a vida de Silas e de toda a comunidade de Raveloe.

Não é spoiler dizer que Silas Marner é um livro sobre redenção de um personagem. Os romances do século XIX têm geralmente a característica de mostrar a queda e a salvação de um indivíduo. Caráter, personalidade e devoção são as características mais valorizadas da sociedade da época e George Eliot não foge à regra do escritor que desenvolve esses temas em seus trabalhos. Silas Marner é um livro curto (176 páginas apenas, um livreto perto de Middlemarch, que até hoje não li inteiro), mas sua forma condensada mostra o desenvolvimento de um homem solitário, derrubado pelas circunstâncias da vida, a quem a sorte eventualmente sorri. "Nenhum homem é uma ilha", diria John Donne. Silas Marner aprende isso na prática.

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George Eliot era o pseudônimo de Mary Ann Evans (1819-1880), que escolheu um nome masculino para que o público comprasse e lesse seus livros (mulheres romancistas não eram bem vistas na época). É autora de sete romances, entre eles Middlemarch (1872).

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