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sábado, 11 de abril de 2015

Dorian Gray e a filosofia hedonista de Oscar Wilde

Se tivesse que definir O retrato de Dorian Gray em poucas palavras, eu diria que o romance é um tratado artístico. Oscar Wilde expressa já no prefácio de Dorian Gray seu ideal de arte, o movimento ao qual pertence e sua perspectiva como artista na sociedade. O livro em si é um desenvolvimento do prefácio, ou melhor, é o ideal posto em prática.

Wilde começa seu livro dizendo que o objetivo do artista é criar coisas belas. É isso que o pintor Basil Hallward faz ao pintar o retrato de Dorian Gray, um jovem de beleza extraordinária, descrito como o dono de "lábios escarlate finamente modelados, francos olhos azuis e vivos cabelos dourados" e de um rosto que carrega a "puridade da juventude". Dorian é o jovem mais bonito da sociedade e seu retrato, consequentemente, é a obra-prima de Basil Hallward. Mas não é só isso: Dorian é o ideal de beleza que se torna necessário para o pintor. 


Dorian é o ideal que não pode ser corrompido, mas de fato é pela influência de Lord Harry, um dândi apaixonado por aforismos e paradoxos que desdenham dos valores da sociedade inglesa vitoriana. Lord Harry é a personificação do Movimento Estético ao qual Oscar Wilde pertenceu: o Movimento defendia a vivência beleza, prazer e felicidade somente, um tipo de hedonismo. Lord Harry é um hedonista e influencia Dorian Gray a buscar apenas as coisas boas da vida e a esquecer que possui uma alma. Assim como, segundo Wilde, não existem livros morais ou imorais, para Lord Harry não existe certo ou errado, céu ou inferno. Isto é, existe apenas o certo, o que é bom, o que dá prazer. Dorian então deseja a beleza eterna, dando sua alma em garantia da felicidade permanente.

O jovem se encanta com a filosofia de Lord Harry, mas a adota inteiramente só em decorrência de um acontecimento decisivo em sua vida: sua paixão pela atriz de teatro decadente Sybil Vane. Tal qual Basil Hallward o considera como objetivo do artista, Dorian vê Sybil Vane como o ideal da arte, a personificação da beleza. O protagonista se apaixona pela atriz ao vê-la interpretar as heroínas de Shakespeare e deseja casar-se com ela. Porém, Dorian se decepciona com a amada ao perceber seus defeitos e, tal qual a audiência vai embora de um teatro quando vê uma peça ruim, Gray abandona a jovem por decepcionar-se com ela.

É então que a vida de prazeres de Dorian Gray se inicia. Porém, quanto mais felicidade aparente ele conquista, mas sua alma se corrompe. Isto se reflete no retrato pintado por Hallward: a obra começa a se deteriorar. Aparentemente Dorian não envelhece, mas a pintura desenvolve aos poucos rugas, manchas e degradação, se tornando como um espelho da alma de Gray.



Muitos críticos entendem que Dorian Gray não é somente um tratado estético, mas um alerta sobre os riscos do hedonismo. Eu não concordo com isso porque a impressão que tive ao ler o romance é que Oscar Wilde segue à risca o tratado desenvolvido no prefácio: "vício e virtude são para o artista materiais para uma arte". Até mesmo quando escreve sobre decadência, Wilde quer encontrar beleza. Para ele, o artista não deve ter "simpatias éticas" porque estas são "maneirismos de estilo". A única moralidade do artista deve ser "o uso perfeito de um meio imperfeito", ou seja, o encontro da beleza e da perfeição na feiura e na imperfeição.

Mas a decadência de Dorian Gray não seria uma exposição das consequências de uma vida desregrada? Para mim, a queda do jovem protagonista de Wilde se deve mais aos próprios demônios do que aos valores externos. Com o tempo Gray não consegue conviver com os danos e sofrimentos que causa aos outros e a si mesmo. Ele é seu próprio juiz.

O retrato de Dorian Gray é o livro mais Oscar Wilde que Oscar Wilde poderia escrever. Os aforismos, paradoxos e frases de efeito preenchem o livro assim como a famosa ironia de Wilde. O leitor pode ficar um pouco assustado com a visão que Lord Harry tem das mulheres, por exemplo. Mas assim como toda ironia, é preciso ver o sentido por trás de proposições como: "Nenhuma mulher é um gênio. Mulheres são um sexo decorativo". Para mim, Oscar Wilde não é um machista escroto que despreza o sexo feminino. O absurdo das falas de Lord Harry provoca exatamente o efeito desejado: ultraje à ideia corrente na sociedade da época. Wilde contesta ao provocar abjeção e revolta.

E revolta não foi o que faltou quando o livro foi lançado, em 1891. O tom homoerótico do romance, os temas, as personagens, tudo foi escandaloso para época. Dorian Gray foi inclusive o início da queda do próprio Wilde, que morreria nem 10 anos depois, após ser condenado por "atos imorais com homens".

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Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde (1854-1900) foi um escritor e dramaturgo irlandês, filho de um médico e uma poetisa nacionalista. Participou do Movimento Estético inglês e fez muito sucesso com suas peças, principalmente A importância de ser prudente (1895). Wilde era homossexual e homossexualidade era crime no Reino Unido naquela época. Foi condenado por ter relacionamento com homens, principalmente pela relação que tinha com Lorde Alfred Douglas, o filho do aristocrata Marquês de Queensberry, que o denunciou e processou. Na prisão, escreveu De Profundis, uma bela e triste carta sobre a vida que levara até então. Morreu pobre em Paris e foi enterrado sob o pseudônimo Sebastian Melmoth.

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